O que pensam os republicanos?
Luiz Gonzaga Belluzzo (01/07/2012 - http://www.cartacapital.com.br/economia/o-que-pensam-os-republicanos)
David Brooks é colunista do New York Times e autor do livro Bobos in Paradise, um passeio inteligente pelos caminhos materiais e espirituais dos jovens americanos de classe alta e média alta. Boêmios e burgueses (Bourgeois), “suas atitudes em relação a sexo, moralidade, tempo livre e trabalho tornam difícil separar o renegado anti-establishment do homem de empresa pró-establishment.” Brooks escreveu Bobos
no auge da euforia financeira e de celebração do individualismo
narcisista e aquisitivo, insaciável na busca permanente de status, de
diferenciais de renda e do consumo conspícuo.
A crise financeira desbaratou as certezas e a base material em que se
apoiava o sucesso desses jovens que construíram seu paraíso nas
delícias do hibridismo moral. Muitos deles perderam os empregos nos
bancos, nas consultorias, nos grandes escritórios de advocacia. Outros
não conseguem trabalho compatível com a formação que receberam. O
sistema de valores e de concepções de vida dos Bobos não admite
o fracasso como resultado da operação de forças que não controlam. Essa
válvula de compreensão da vida e de descompressão psicológica não
funciona nas subjetividades inchadas pelo individualismo narcisista. A
frustração e o medo se transmutaram em revolta contra o Outro.
Na terça-feira 19, o jornal O Estado de S. Paulo reproduziu
um artigo de David Brooks intitulado “O que pensam os republicanos”. Os
republicanos, diz Brooks, pensam que o capitalismo americano está
ameaçado pela segurança excessiva concedida aos cidadãos pelo Estado do
Bem-Estar, em detrimento do espírito de iniciativa e da inovação. A
fuzilaria dos ultraconservadores concentra a pontaria na proteção à
velhice e aos doentes. Esse peso morto precisa ser extirpado, sob pena
de entregar a sociedade americana às letargias da estagnação.
“Nos Estados Unidos, assim como na Europa, afirmam
os republicanos, o Estado do Bem-Estar não oferece segurança nem
dinamismo. A rede de segurança é tão dispendiosa que deixará de existir
para as próximas gerações. Ao mesmo tempo, o atual modelo transfere
recursos dos setores inovadores para setores estatais já inchados, como
saúde e educação. O modelo de Bem-Estar Social privilegia a segurança em
lugar da inovação. Esse modelo… tornou-se uma máquina gigantesca que
redistribui dinheiro do futuro para a população mais velha.”
Cada vez mais inclinada à direita, a opinião republicana deplora o
peso excessivo do Estado munificente e investe contra as tentativas de
disciplinar as forças simultaneamente criadoras e destrutivas do
capitalismo. A visão republicana da economia e da sociedade advoga
abertamente a concorrência darwinista: a sobrevivência do mais forte é a
palavra de ordem. Tombam os fracos pelo caminho.
A ação do Estado, particularmente sua prerrogativa fiscal, tem sido
contestada pelo intenso processo de homogeneização ideológica de
celebração do individualismo que se opõe a qualquer interferência no
processo de diferenciação da riqueza, da renda e do consumo efetuado por
meio do mercado capitalista.
Cresce a resistência à utilização de transferências
fiscais e previdenciárias, aumentando ao mesmo tempo as restrições à
capacidade impositiva e de endividamento do setor público. Isso porque a
globalização, ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e
da renda dos grupos integrados, desarticulou a velha base tributária das
políticas keynesianas, erigida sobre a prevalência dos impostos diretos
sobre a renda e a riqueza.
A ética da solidariedade é substituída pela ética da eficiência e,
dessa forma, os programas de redistribuição de renda, reparação de
desequilíbrios sociais e assistência a grupos marginalizados têm
encontrado forte resistência na casamata republicana. Não há dúvida de
que esse novo individualismo tem sua base social originária na grande
classe média produzida pela longa prosperidade e pelos processos mais
igualitários que predominaram na era keynesiana. Hoje, o novo
individualismo encontra reforço e sustentação no aparecimento de milhões
de empresários terceirizados e autonomizados, criaturas das mudanças
nos métodos de trabalho e na organização da grande empresa.
A ação do Estado é vista como contraproducente pelos bem-sucedidos e
integrados, mas como insuficiente pelos desmobilizados e desprotegidos.
Essas duas percepções convergem na direção da “deslegitimação” do poder
administrativo e na desvalorização da política. Aparentemente estamos
numa situação histórica em que a “grande transformação” ocorre no
sentido contrário ao previsto por Polanyi (1980): a economia trata de se
libertar dos grilhões da sociedade.
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